Muitos de vocês talvez não saibam quem é Nego Di. Eu apresento. Ele é um empresário bem-sucedido e comediante sem papas na língua. Sujeito carismático que faz sucesso nas redes sociais com seus posts irreverentes e, certamente, ganha muitos likes com comentários e compartilhamentos. Mas ele sempre quer mais. Depois de ser eliminado do BBB21 com 98% dos votos e cancelado, ligou para ex-campeão de UFC, Fabricio Werdum e propôs desafiá-lo para uma luta.
Tudo fake. Trocas de ofensas, provocações e promessas de golpes de parte a parte ficariam restritos ao mundo virtual.
Alguns dias após o acerto, aconteceu o que era previsível: o “confronto” viralizou nas redes e ganhou destaque em sites e canais especializado de luta no Youtube. O duelo não aconteceu, mas tanto um quanto outro ganharam visibilidade e novos seguidores.
O exemplo de Nego Di é um entre milhares que nascem nas redes e acabam migrando para sites de jornais, revistas, blogs e youtubers como informação.
Culto às celebridades é efêmero, serve para satisfazer o apetite viciante de leitores que buscam uma forma de se desconectar da realidade, nem que seja por alguns instantes. Adepto a discrição, Hamlet, muito possivelmente, ficaria horrorizado ao ver o que as pessoas publicam atualmente sobre si mesmas.
É bom deixar claro a diferença entre Internet e redes sociais. A primeira é um meio de aprimorar conhecimento, a segunda está nas mãos de pessoas que capturam a atenção com informações rápidas, por vezes fúteis. Como diz o professor André Azevedo da Fonseca, estamos sendo treinados para nos livrarmos de qualquer situação de tédio. Somos fisgados o tempo todo pelos algoritmos das redes que oferecem posts que ele sabe que vamos ler.
Afinal, o que é notícia?
Charles Tatum, um repórter inescrupuloso, arrogante, ambicioso e decadente mostra o caminho. Após ser demitido de onze jornais de grande circulação nos Estados Unidos, acaba pedindo uma chance em um semanário da pacata Albuquerque (Novo México), onde nada acontece. Para convencer o editor de suas qualidades, esbraveja:
“Posso lidar com pequenas e grandes notícias e se não tem notícia, saio e mordo um cachorro”.
A passagem acima está nos dez minutos iniciais do filme A Montanha dos Sete Abutres (1951). Apesar do fracasso de público e de crítica, a obra mostra um jornalismo sensacionalista e oportunista, e a frase tornou-se referência em quase todas as faculdades de comunicação. De fato, se um cachorro morde uma pessoa, não há razão para dar destaque, já que é algo aparentemente corriqueiro, mas chama a atenção quando acontece o contrário, pelo inusitado.
Desde que entrei pela primeira vez em uma redação, no início dos anos 80, minha curiosidade era saber qual era o número de notícias produzidas diariamente no Brasil. descobri somente em 2018, ao fazer a mesma pergunta para o presidente da IBM do Brasil. Segundo Marcelo Porto, são gerados 2,5 quintilhões de bytes de dados todos os dia no mundo, incluindo formatos distintos de textos, imagens e vídeos.
Para se ter ideia do que isso representa, basta elevar 2,5 quintilhões a 10¹⁸. Dito de outra forma, significa que a quantidade de informações geradas hoje é extraordinariamente superior à de quatro décadas atrás. Ao mesmo tempo que a Internet democratizou o conhecimento de forma ágil e instantânea, ela colocou a futilidade em um patamar nunca visto antes. Qualquer argumento raso, sem expressão vira um mero relato para consumo rápido.
Notícia virou produto de alto valor na disputa por pontos de audiência nas rádios, tvs, venda avulsa de jornais, revistas e, mais recentemente, visualizações nas plataformas digitais, nem que para isso flertem com a superficialidade, o denuncismo barato e o sensacionalismo. Se levar a audiência às lágrimas, beleza, recebe bônus em dobro.
Audiência rima com dindim no caixa e quando o cinto aperta, a guerra por anunciantes assume proporções assustadoras. Torna-se uma questão de sobrevivência no mercado. Em pouco mais de uma década, o meio digital abocanhou 33% do bolo publicitário, fazendo com que a tv aberta encolhesse de 60% para 45% e os jornais de 25% para 1,9%. (2021).
Por definição, notícia é todo texto jornalístico baseado em fatos concretos, precisos, relevantes, de interesse do público, que utiliza uma linguagem objetiva e acessível, e que responda as seguintes perguntas: o quê, quando, onde, como e por quê. O papel do jornalista, independentemente das novas tecnologias, é o de apurar com rigor, duvidar sempre, cultivar fontes confiáveis e ter senso crítico aguçado.
Como nem tudo o que está nas redes é digno de ser chamado de notícia, a pressa em publicar a informação em primeira mão não tem se traduzido em qualidade.
Infelizmente.
Guilherme Arruda, jornalista