Criado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, o conceito de sociedade do cansaço, abordado no livro de mesmo nome, nos faz refletir sobre os motivos de estarmos felizes com a chegada do recurso de acelerar áudio do WhatsApp.
Memes com frases como “sem tempo, irmão” e “já amanheci cansada” têm se tornado cada vez mais comuns em nossas timelines. Reflexo de uma sensação presente em boa parte da nossa sociedade, ainda mais em tempos de pandemia: parece que noites bem-dormidas já não são suficientes para eliminar o cansaço do nosso corpo e mente.
Esse sentimento, atrelado a uma falta de tempo constante em meio a tantas atividades, está levando desenvolvedores de softwares e aplicativos a criarem recursos capazes de nos fazer ganhar tempo e “cansar menos”. É o caso do novo recurso do aplicativo de troca de mensagens mais usado no Brasil: o WhatsApp, que é um ótimo meio para estratégias de marketing, agora conta com acelerador de áudio.
Poder acelerar um áudio de poucos minutos tem sido motivo de celebração para muitas pessoas, mas já nos perguntamos por quê?
A sociedade do cansaço que nos leva a um modo acelerado de viver
Essa impressão de exaustão contínua já encontra justificativa na filosofia. Segundo o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, estamos vivendo no que ele define como uma sociedade do cansaço. Normalizamos a cobrança em excesso por produtividade e alta performance, por trás de uma cortina de positividade.
E essa pressão para entregar resultados é o que estaria nos esgotando, cansando nossa saúde física e mental. Esse excesso de positividade também traz um excesso de estímulos, informações e impulsos, o que modifica de maneira radical a nossa atenção.
Estamos fragmentando e destruindo a nossa atenção. Geramos sobrecarga de trabalho, o que exige técnicas específicas relacionadas ao tempo e à atenção, que se traduzem em novas ferramentas, capazes, por exemplo, de acelerar áudios e vídeos.
Portanto, segundo o filósofo, o que estamos vivendo hoje é uma hiperatenção (hyperattention). Uma atenção dispersa caracterizada por uma rápida mudança de foco entre diversas fontes informativas, atividades e processos. Tudo isso nos leva a uma tolerância quase nula ao tédio.
Resultado? Não temos paciência para ouvir áudios de poucos minutos.
Então eu não devo usar o acelerador de áudio do WhatsApp?
Se você entende que essa é uma ferramenta que vai facilitar o seu dia a dia, é claro que pode e deve usá-la. O que você deve se perguntar é sobre a sua qualidade de tempo e atenção.
Porque se essa passa a ser uma ferramenta muito útil, significa também que você está muito intolerante a perder alguns minutos ouvindo um cliente ou um amigo. Seria isso saudável?
O processo criativo, que é tão importante para qualquer profissional, desde alguém que realiza a mais simples função até quem faz a gestão de uma grande empresa, precisa de tédio profundo. De uma atenção profunda. Para chegarmos a boas ideias, não podemos atuar apenas com hiperatenção.
Walter Benjamin, que foi um filósofo alemão, caracteriza esse tédio profundo como “o pássaro onírico, que choca o ovo da experiência”. Se precisamos de sono para o descanso físico, precisamos do tédio, do ócio, do não fazer nada, para alcançar o descanso mental. O onírico a que ele se refere é esse estado de desconexão da realidade para imaginar. Afinal, a inquietação não gera nada de novo, só reproduz e acelera o já existente, reforça Byung-Chul Han.
Como administrar melhor o modo acelerado?
Quando não alcançamos os resultados e a alta produtividade exigida de nós, nos sentimos pessoas deprimidas, frustradas e até mesmo fracassadas. O filósofo também cita que o resultado desses sentimentos pode causar doenças como deficit de atenção, ansiedade, depressão, síndrome de burnout e transtorno de personalidade borderline.
Essa positividade, o Yes, we can americano, a falsa sensação de poder ilimitado, passa a ser uma autoexploração que vem da supercomunicação, da superprodução e do superdesempenho. Não precisamos mais que alguém nos explore, porque somos, ao mesmo tempo, exploradores e vítimas de nós mesmos.
Se não tivermos cuidado, esse jeito de ser pode dominar a nossa vida de tal forma que ficamos doentes. Precisamos ter ciência de que, sim, alguns objetivos não são possíveis de serem alcançados. Sim, nem tudo dá certo no final e não, não precisamos sentir felicidade o tempo todo.
Sentir tristeza também é natural e importante para levarmos uma vida em equilíbrio. Usar a positividade para mascarar nossas derrotas só torna tudo mais pesado e difícil. Porque se tudo é possível, então precisamos ser super-humanos, já que teremos que ser capazes de realizar qualquer coisa, não é? E somos apenas humanos.
Portanto, a melhor forma de lidar com o modo acelerado que vivemos, para sentir menos cansaço e ter paciência para não usar o acelerador de áudio do WhatsApp, é buscar uma vida mais contemplativa.
Aprender a lidar com as nossas imperfeições, buscar por momentos de qualidade de vida e, especialmente, encontrar os motivos das nossas ações, sem querer fugir do tédio desesperadamente.
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